Além da renda, coletoras e coletores, que passam a integrar a Rede de Sementes da Bioeconomia Amazônica, percebem a transmissão de conhecimento como ponto positivo.
Um dos desafios das mulheres que vivem em comunidades rurais é o acesso ao ensino e a renda. Portanto, iniciativas de formação e trabalho no campo, como as formações de coletores de sementes desenvolvidas pela rede de Sementes da Bioeconomia Amazônica (Reseba) em Rondônia, têm efeitos positivos na vida das mulheres do campo.
Criada em 2021 pela ONG Ecoporé, a Reseba é um exemplo de articulação entre diversos atores, conectando comunidades tradicionais, agricultores, instituições de pesquisa, viveiros florestais e empresas de reflorestamento. Para crescer e se consolidar, a rede foi integrada a diversos projetos da Ecoporé, começando pelo Viveiro Cidadão, patrocinado pela Petrobras, e, posteriormente, como parte do projeto Mãos Indígenas Floresta em Pé, realizado com a Greendata/Forest Trends e apoiado pelo Fundo JBS pela Amazônia.
Dois anos depois, em 2023, a Reseba expandiu sua atuação para a BR-429 com o projeto Terra e Mata, financiado pelo Fundo Socioambiental Caixa. No mesmo ano, a rede chegou à região de Porto Velho, em parceria com o povo indígena Karitiana, com apoio da Brazil Foundation. E em 2024, a iniciativa será levada a territórios indígenas no Vale do Guaporé e Sul do Amazonas, por meio do projeto Regenera, patrocinado pela The Caring Family Foundation.
Atualmente a Reseba tem aproximadamente 350 famílias cadastradas de sete povos indígenas (Aikanã, Tupari, Karitiana, Paiter Suruí, Gavião, Zoró e Apurinã), duas comunidades quilombolas (Forte Príncipe da Beira e Santa Fé) e uma Reserva Extrativista (a Resex Rio Cautário), além de agricultores familiares ao longo da BR-429 e Zona da Mata Rondoniense, em Rondônia. O cadastro familiar é feito preferencialmente no nome das mulheres, visando incluí-las na cadeia produtiva através da formalização de um papel que já exercem nas comunidades.
Além disso, a Reseba realiza módulos de formação para os coletores de sementes nos quais são discutidos os modos mais adequados de coleta e de estocagem, bem como a segurança do trabalho no momento de coletar as sementes. De março de 2023, quando as formações começaram, até maio deste ano 291 pessoas já participaram das formações apenas nos territórios indígenas.
Aline Smychniuk, engenheira florestal que gerencia a Reseba, estima que apenas este ano 45 toneladas de sementes sejam usadas na produção de mudas e em semeaduras diretas em projetos de restauração realizados pela Ecoporé, ou seja, sem contar as vendas externas.
Segundo Aline, uma vez que as famílias cadastradas dominam a técnica de coleta, eles passam a integrar a rede e a venda da semente se transforma em uma fonte de renda. No modelo de negócio de impacto socioambiental estabelecido, entre 70% e 60% do valor das sementes é destinado aos coletores e de 30% a 40% é empregado para custear logística, embalagem, frete, encargos fiscais e outros custos.
Além da geração de renda, o conhecimento sobre as formas adequadas de manejo das sementes é mais um ponto positivo para as comunidades. Ray Rodrigues, do povo Apurinã, afirma que “graças à formação que foi passada, hoje em dia nós damos mais valor a coisas que a gente nem sabia que podia utilizar. Como muitas sementes daqui que se estragavam, não sabíamos como guardar, né?”.
Nazaré Tupari, do povo Tupari, teve uma experiência parecida com a formação. Ela afirma que aprendeu a colher as sementes sem prejudicar a natureza. “Para a gente não catar de qualquer jeito, temos que ter bastante cuidado e fazer a limpeza na semente. E armazenar em um lugar bom, onde ela não possa estragar”, diz.
Outro ponto levantado pelas coletoras é a transmissão do conhecimento dentro da comunidade e para as novas gerações. Nazaré Tupari, por exemplo, repassou o que aprendeu para a família, pois não queria que eles perdessem aquilo que coletavam. Similarmente, Luciane Karitiana, do povo Karitiana, fala que “é muito gratificante para a comunidade e para as crianças conhecerem as árvores”.
Luciane também comenta as diferenças linguísticas. “A gente conhece as árvores na nossa língua, sabe qual é a árvore e qual é a semente que tem na nossa reserva, mas a gente não conhece o nome científico em português. Aí tem a nossa dificuldade de saber qual a semente é, qual é a árvore em português”, diz. Em razão disso e para facilitar a identificação correta das árvores e sementes, a Reseba está elaborando um manual de sementes com os nomes comuns e científico das 55 espécies atualmente demandadas pela rede.
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